O gás natural, composto principalmente de metano, foi aclamado como um combustível “de transição” limpo – uma ponte do carvão e do petróleo do passado para as fontes de energia limpa do futuro. Porém, essa afirmação é parcialmente verdadeira. Por trás dessa narrativa rósea, há uma história muito mais complexa. O gás é um fator muito mais poderoso das mudanças climáticas do que geralmente é reconhecido e está associado a riscos à saúde, ao meio ambiente e à redução do bem-estar social em todas as fases do seu ciclo de vida.

O New England Journal of Medicine publicou recentemente um artigo sobre os perigos do gás natural para a saúde, onde os seus autores, médicos preocupados as mudanças climáticas, a poluição e suas consequências, deixam uma série de alertas e exigências.

Os autores descrevem que a produção de gás natural cresceu quase 400% nos Estados Unidos desde 1950, tornando-se a segunda maior fonte de energia do país. Esse aumento foi devido a adoção em larga escala do fraturamento hidráulico – “fracking”. O “fracking” está associado à contaminação das águas subterrâneas e superficiais, poluição do ar, sonora e luminosa, liberação de radiação, danos ao ecossistema e até terremotos. A disponibilidade imediata de gás reduziu a dependência de carvão e petróleo, transformando o gás em uma importante matéria-prima para produtos químicos, pesticidas e indústrias de manufaturas de plástico, perpetuando assim o sistema de energia baseado em combustíveis fósseis e atrasando a transição para uma economia limpa. Os autores alertam que além da transmissão e o armazenamento de gás, que resultam em incêndios e explosões que ocorrem todos os anos nos Estados Unidos, até 4% de todo o gás produzido por fraturamento hidráulico é perdido por vazamentos, e essas liberações parecem ter contribuído para o recente aumento do metano atmosférico que, juntamente com o gás queimado em fogões e caldeiras, são potentes contribuintes para o aquecimento global. Juntas, essas evidências sugerem que a suposta vantagem do gás sobre o carvão e o petróleo foi muito exagerada. 

Os autores do artigo consideram a expansão da infraestrutura de gás natural um grave risco à saúde humana, ao gerar óxidos de nitrogênio que, dentre outros problemas, aumentam o risco de asma e agravam a doença pulmonar obstrutiva crônica. Dessa forma, todas as análises razoáveis indicam que devemos deixar quase todos os combustíveis fósseis restantes no solo se quisermos manter a extensão do aquecimento global abaixo de 1.5°C, meta estabelecida pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e, assim, mitigar as conseqüências ambientais e de saúde das mudanças climáticas.

Apesar do crescente reconhecimento dos perigos associados ao gás e dos recentes aumentos exponenciais na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, novos poços de gás continuam a ser perfurados e novos dutos construídos. Essa expansão da infraestrutura de gás é apoiada por subsídios do governo e incentivos fiscais que beneficiam a indústria de combustíveis fósseis e reduzem artificialmente os preços do gás – outro argumento contra este investimento é que ele é economicamente imprudente: ignora a realidade de que o custo de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis está caindo rapidamente e que os preços da energia estão se aproximando de um “ponto de inflexão”, após o qual será mais barato gerar eletricidade a partir de fontes solares e eólicas do que a partir do gás. Ou seja, qualquer investimento em gás corre o risco de não gerar um retorno econômico e se tornar um ativo ocioso.

Para resolver esse problema, os autores recomendam que os subsídios estaduais e federais ao gás natural sejam reduzidos nos próximos 2 anos e depois eliminados. Também recomendam que novas conexões de gás residenciais ou comerciais não sejam permitidas, novos aparelhos de gás sejam removidos do mercado, mais exploração de gás em terras federais seja proibida e toda a construção nova ou planejada da infraestrutura de gás seja interrompida. Os autores pedem ainda a criação de novas estruturas tributárias, subsídios e incentivos, como preços de carbono que favoreçam a energia eólica, solar e outras fontes e políticas de energia renovável e não poluentes que apóiam a conservação de energia, veículos limpos e expansão de transporte público.

O artigo considera que a implementação dessas recomendações exigirá liderança política corajosa e enfrentará feroz resistência. Mas também que a transição em larga escala para as energias renováveis traria enormes benefícios: reduziria a poluição do ar e, portanto, evitaria doenças, aumentaria a expectativa de vida e reduziria os custos com saúde. E libertaria os bilhões de dólares públicos agora gastos nos Estados Unidos em subsídios aos combustíveis fósseis e protegeria nosso planeta. Os autores referem alguns modelos para uma ação climática eficaz. Em julho de 2019, o Estado de Nova York promulgou legislação abrangente sobre energia e clima e prometeu reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 85% até 2050. Assim, NY está a desenvolver o maior parque eólico do país e a colaborar com a Irlanda e a Dinamarca para melhorar sua rede de energia elétrica. Também criou incentivos económicos para veículos limpos, incluindo camiões e autocarros, e incentivos fiscais para a conservação de energia. O Reino Unido comprometeu-se também a gerar zero emissões de carbono até 2050. Nova York, Idaho e o Reino Unido estão criando novos empregos bem remunerados nas indústrias de energia eólica e solar.

O gás natural é comunmente retratado como uma ponte para o futuro. Os dados agora mostram que é apenas uma prisão ao passado, ou seja, é andar para trás. Acreditamos que é hora de rejeitar a falsa promessa do gás!

Link para o artigo completo aqui.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *