Gás Fóssil em Portugal
O gás fóssil foi introduzido em Portugal em 1997, ano em que se negociou o Protocolo de Quioto na terceira Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Na mesma altura em que os governos sabiam que era preciso atuar rapidamente, apostando nas energias renováveis e descarbonização, Portugal investiu na construção de novas infraestruturas fósseis, prendo-nos a este combustível fóssil.
Em 2019 a maioria do gás fóssil foi utilizado na produção de eletricidade (56%). Com o encerramento das centrais termoelétricas a carvão, o gás fóssil passa a ser a fonte fóssil principal para produção de eletricidade, e, segundo os planos do governo, continuará a ser utilizado para este fim até 2040.
De acordo com os dados da Agência Internacional de Energia, a utilização no sector da indústria encontra-se em segundo lugar (47% em 2019), com destaque para a indústria do cimento, vidro e cerâmica, seguido da indústria química e petroquímica. É de notar que, 4% do gás fóssil em 2018 foi utilizado para a produção de hidrogénio “cinzento”.
O sector residencial e sector de serviços, somam 7% do gás fóssil utilizado. Tal deve-se ao facto da maioria dos edifícios não estarem adaptados para gás fóssil, utilizando, na sua grande maioria, gás de petróleo liquefeito (GPL) ou já estando eletrificados.
Por fim, a sua utilização em 2019 no sector de transportes – para abastecimento de autocarros públicos e transporte marítimo – foi residual.
Entrada de Gás Fóssil em Portugal
Todo o gás fóssil que utilizamos é importado. Nos últimos 25 anos a maioria do gás provinha da Argélia através das interligações por gasodutos com Espanha. Contudo, nos últimos anos houve uma diversificação e aumento de importação via LNG vindo dos Estado Unidos e da Rússia e uma redução da aquisição via gasoduto, correspondendo em 2019 apenas a 10% do gás fóssil importado.
Em 2019 o gás fóssil proveio da Nigéria (53.5%), Estados Unidos da América (21,4%), Qatar (10,8%), Algéria (7,4%), Trinidade e Tobago (2,0%) e da Rússia (1,6%). Estas importações são feitas maioritariamente pelas seguintes empresas: Galp, Naturgy, EDP e Endesa.
Contratos que garante o colapso climático
Em Portugal temos que cortar 70% das emissões até 2030. Para tal é preciso uma redução rápida e faseada das importações e consumo de gás fóssil. Então porque é que isso não está a acontecer?
Comecemos por olhar para os planos das empresas fósseis. Para além dos diversos contratos em vigor que terminam antes de 2030, as empresas fósseis continuam a assinar novos contratos que nos prendem à importação de grandes quantidades de gás fóssil pelo menos até 2043. Tratam-se de compromissos criminosos que garantirão o colapso climático.
- A Galp iniciou um novo contrato com a Nigeria LNG Limited, em outubro do ano passado, comprometeu-se a comprar um milhão de toneladas por ano de GNL à Nigeria LNG Limited, durante os próximos 10 anos.ix
- A EDP comprometeu-se a adquiri mil milhões de metros cúbicos de GNL por ano, tendo iniciado em 2020 e com duração de 20 anos, proveniente de um projeto da Cheniere no Texas.x
- A Galp tem um contrato de compra de um milhão de toneladas por ano de GNL à norte-americana Venture Global LNG, que começa em 2023 e tem a duração de 20 anos.xi
Estes 3 contratos equivalem, por ano, a cerca de 60% do gás importado em 2019. É claro que estas mesmas empresas não estão e não irão liderar nem facilitar uma transição energética, quanto mais uma transição justa.
Arrancar as raízes do gás fóssil
Uma pergunta central surge: como podemos construir um país livre de gás fóssil?
Uma breve análise da utilização deste combustível demonstra-nos que para tal é necessário descarbonizar o sector energético e o sector da indústria tal como eletrificar os edifícios residenciais e de serviços.
Olhamos então para o trabalho desenvolvido pela campanha Empregos para o Clima, no sentido que compreender quais os caminhos para uma transição justa.
Descarbonizar o sistema energético em Portugal, criando milhares de empregos é possível. A nível técnico requer uma transição a 10 anos para um mix energético de energia 100% renovável e o alargamento e adaptação da rede elétrica. Em particular é preciso instalar 20GW de painéis solares fotovoltaicos, 11GW em turbinas eólicas, 900MW em centrais de concentração térmica solar, 800MW de energia oceânica e 60MW em centrais geotérmicas. No total, estima-se 60 mil empregos nos primeiros 10 anos e mais 17 650 empregos permanentes a partir do 10º ano.
Esta transição não será apenas técnica. É necessário uma democratização energética com o fim de criar soluções reais e justas ao invés de monoculturas de painéis solares. Para tal, precisamos de desmercantilizar e descentralizar a produção de energia.
Relativamente à indústria, há 2 tipos de emissões que é preciso colmatar: a queima directa de combustíveis para atingir altas temperaturas e emissões dos processos industriais.
Em quase todas as aplicações industriais, já existem tecnologias alternativas, comercialmente viáveis, que permitem a substituição da queima directa de fósseis por eletrificação ou energias renováveis. No que toca às emissões dos processos industriais estas podem ser reduzidas através da: reutilização e reciclagem de materiais; substituição do CO (monóxido de carbono) por hidrogénio, descarbonizando o processo. Estas mudanças permitem cortar até metade das emissões relativas a processos químicos e criar milhares de empregos.
Sabemos que é possível uma redução rápida e faseada do consumo de gás fóssil. Vimos igualmente que a indústria fóssil recorre ao GNL para impedir uma transição real e justa.
Assim, é preciso uma redução rápida da importação de gás fóssil. Isto é, travar qualquer expansão relacionada com gás fóssil e fechar de forma planeada e faseada a sua entrada em Portugal.